O que estamos encomendando para as gerações futuras? por Maria da Consolação Lucinda

29/10/2020

O que estamos encomendando para as gerações futuras?


Maria da Consolação Lucinda

Pós-doutora em Cartografia Social e Política e doutora em Antropologia


"O estado de mundo que vivemos hoje é exatamente o mesmo que os nossos antepassados recentes encomendaram para nós". (Ailton Krenak)



A sociedade brasileira tem sido sacudida politicamente, desde os primeiros anos da presente década. Os debates, os questionamentos e as manifestações de indignação contra o poder público repercutiram intensamente no espaço público, recentemente. São várias as tendências, os posicionamentos e as representações dos grupos e movimentos que questionam e cobram mudanças sociais e políticas. Este é um indicativo de que a cidadania no Brasil continua se posicionado criticamente a situações e acontecimentos que afetam a vida das camadas populares, sobretudo, e que refletem no conjunto da sociedade. Se apontarmos um dos grandes problemas, que considerado em suas manifestações estruturais e culturais, por exemplo, temos elementos para compreender a complexidade de alguns aspectos de um panorama que se configura de vários modos.

A amplitude da epígrafe tomada do livro "Histórias para adiar o fim do mundo, de Ailton Krenak, é um artifício para apresentar uma breve reflexão sobre a nossa posição como sujeitos históricos. As ideias que veicula me soaram como convocação a uma postura ativa e positiva. Assinalam nossa condição de sujeitos históricos e igualmente deixa espaço à posição de co-participes dos processos de construção e reconstrução das condições objetivas de estar no mundo. Sugere ainda a importância de se atentar à perspectivas outras que as hegemônicas e dominantes.

Ainda que precisemos de novas habilidades para poder criar nas brechas e conseguir construir novos caminhos, as possibilidades não estão totalmente dadas, mas tampouco negadas. As ideias contidas nesta frase de Ailton Krenak nos desinstalam, dando um sinal de alerta que ajuda na reflexão sobre responsabilidades individuais e coletivas na reinvenção de modos de ser e estar no mundo neste tempo. Pautam a importância do cuidado de si e com o outro, ou seja, com nossa própria vida e também com a vida no e do planeta como um todo.

O mundo a se encomendar para as gerações que vão nos suceder - as que já estão aqui e também as que estão chegando - não pode ser uma cópia melhorada do que já conhecemos. Já temos sinais bastante fortes do desequilíbrio que afeta e ameaça a vida humano no planeta. Ameaças como catástrofes decorrentes das mudanças climáticas, como sérias crises ambientais, e pandemia estão batendo à nossa porta. No universo das possibilidades que podem ajudar na reconstrução, a educação continua sendo um campo importante de atuação e ao mesmo tempo um compromisso. A tarefa de humanizar ainda é uma tarefa atribuída aos seres humanos. Para o mundo ser mais humano e mais harmônico a relação com o meio ambiente não pode ser predadora, mas de cuidado.

Não podemos negar que a tarefa de encomendar o "novo mundo" do qual a epígrafe fala seja um desafio. A trama na qual estamos envolvidos é formada por muitas linhas de força, com alguns fios que precisam ser desligados, outros religados e outros serem ainda ligados. São fios que podem ser reconhecidos através de conceitos e noções vindos de diversos campos do conhecimento. A educação é um dos fios que se bem explorado religa a prática social, através da cidadania ativa e da participação política, convidando-nos a lutar pela educação como direito e a reinventar a escola, imprimindo a esta instituição social a marca de espaço protetivo de direitos - conforme proposição do Fórum Mundial de Educação.

Uma categoria social importante na concretização do projeto de futuro da nossa sociedade é aquela formada pelos profissionais da educação, que têm participado ativamente do espaço público e pautado as agendas dos movimentos, das mobilizações sociais, bem como das manifestações públicas. Esse recorte é também amplo e pode ser considerado a partir de diferentes entradas já que as ideias e os projetos que representam não são necessariamente os mesmos. O leque pode ser ampliado para além do está pontuado aqui, mas dois polos podem ser identificados: de um lado se localizam as ideias referidas a projetos de cunho reformista, que buscam adequar a educação à um modelo hegemônico de sociedade. Do outro lado estão as ideias e os projetos de cunho emancipador, que buscam romper com o estabelecido, ampliando os espaços e as formas de participação e, desse modo, incluindo sujeitos sociais historicamente relegados a invisibilidade.

Sem dúvidas, esse debate não começa e tampouco termina apenas no âmbito formal da educação, ainda que os impactos e os resultados mais perceptíveis sejam observados a partir dele. Para demarcar um posicionamento, vamos lembrar-nos de alguns temas que tem mobilizando bastante a nossa sociedade, recentemente. São os temas pautados no âmbito das disputas por representações, ideias e projetos que representam, assim, disputas ideológicas. Um desses temas pode ser definido como "nostalgia da escola do passado" e diz respeito às tentativas de recuperar elementos de uniformização de práticas pedagógicas nas instituições de ensino. Trata-se de uma tentativa de frear políticas contra-hegemônicas implementadas na educação brasileira nas últimas décadas. Essa nostalgia da escola do passado está vinculado à ideias mobilizadas e veiculadas recentemente em plataformas de partidos políticos e de candidatos que levantam bandeiras e gritam palavras de ordem em defesa de valores como "tradição, família e propriedade".

Essa tendências se associam à defesa de ideias, projetos e representações que buscam adequar a educação à um projeto de sociedade e se relacionam com situações que tem mobilizado a sociedade brasileira. A participação ativa no espaço público é fundamental, pois é um dos caminhos que se pode percorrer para pautar agendas dos movimentos, propondo programas e promovendo iniciativas.

As tendências consideradas de cunho emancipador oferecem base e contorno aos sentidos de escola e de educação alinhados com uma concepção crítica de cidadania. Também integram o repertório de luta pela implementação e manutenção de uma perspectiva contra-hegemônica de educação tanto no âmbito formal quanto no não-formal. 

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